Por vezes dá-me para falar dele. E noto o efeito que as minhas palavras provocam nos ouvintes de circunstância. Uns, por amizade, ouvem e encolhem os ombros, apesar de ser só com o espírito, para não me melindrarem. Outros ouvem atentamente, como eu sempre faço, quando alguém comunica comigo. Mas depois uns e outros, mais lentamente ou mais rapidamente, esquecem o que foi dito e relatado. As águas amainam, a pedrada teve o seu fugaz efeito e quase de seguida, como aquelas folhinhas de praga aquática que se juntam todas para rapidamente tapar o buraco da pedrada na superfície liquida, tudo volta ao normal, ou seja ao esquecimento.
O que diz o nosso amigo Abrunheiro tem toda a razão de ser. Na verdade, falamos de atitudes e decisões que têm a ver com situações irreversíveis. Irreversíveis nos prejuízos de ordem cultural. Irreversíveis no facto de poderem vir a manter-se por largas dezenas de anos para desprazer de gerações seguidas.
E pode ser uma escultura medíocre ou com gritante falha de gosto (já nem falo em bom gosto) colocada num local público, que não merece tal relevo visual. Podem ser objectos votados ao abandono que são admirados em outras paragens, que não aqui. Paragens essas que nem precisam de ser capitais do conhecimento para as cultivarem e preservarem. Pode ser até, enorme hipocrisia, o acto de colocar no lixo, objectos que se prometeram em sessão pública, guardar e preservar para recuperação. E ficou exarado em acta.
Mas então ninguém faz nada para obstar a tudo isto? Não. Mas nas tais sessões públicas das autoridades não estava lá ninguém que tenha memória e exija que se cumpra o que foi prometido? Estavam mas não estão para se incomodar. A oposição é medíocre e bastou-lhes levantar a questão para apresentar serviço, ouvir umas promessas da boca dos que deviam ser responsáveis e ninguém depois pede explicações nem obriga a que sejam cumpridas. Os agentes culturais, sejam os guardiães, os da urbe, os que dão conselhos à cidade, ou até os de borla e capelo, estão (a maior parte deles) por demais ocupados a olhar para os respectivos umbigos e para os cerimoniais caducos, evitando descer ao povoado, privar com a populaça, que essa sim, sabe muito mais do que aparenta, mantendo-se antes como luz irradiadora de uma cultura feita á sua imagem e semelhança. Portanto bolorenta. Por isso, fácil é encontrar outras Escolas ao longo do País, vocacionadas para falar com o chamado Pais real e portanto permanentemente em evolução e desassossego, como deve ser quem se interessa pelo rumo do Pais real, também ele sempre evolutivo e desassossegado
E o homem a quem me refiro e que todos conhecem, usa e abusa da imprensa local escrita, para, recebendo por isso (pasme-se), ser o arauto daquilo (pouco) que faz. Leiam um dos periódicos de hoje se não acreditam. E nós lemos e encolhemos (mais uma vez) os ombros. A minha cidade não merece isto. A minha cidade tem património de sobra para mostrar e embasbacar visitantes. Mas não com estes pseudo difusores desses tesouros.
A esmagadora maioria de turistas que nos visitam, não dorme cá, por vezes não come cá, e poucas recordações levam, porque as entidades oficiais, preferem cobrar apenas as entradas nos locais de visita e pedir subsídios a tudo o que é ministério, em vez de dar uso à imaginação e inventar formas de difundir a cultura e as nosoas belezas a troco de muitos milhares de euros, feitos dos pequenos contributos que cada um dos milhares de visitantes diários da nossa cidade se disponibilizariam a pagar para levar um pouco de nós para as terras deles. Produzimos designers mas depois não aproveitamos as suas potencialidades e imaginação.
Não. Estamos no pais do subsidiosinho e das lamentações. Estamos cada vez menos no Pais das ideias e da criatividade.
Se um cidadão escreve de fora a perguntar quanto custa um dos eléctricos que querem destruir, e que quer preservar, nega-se-lhe essa possibilidade. De seguida coloca-se o veículo junto com o entulho num terreno mais ou menos escondido de olhares perigosamente curiosos. Aproveita-se e colocam-se mais quatro veículos desses logo de seguida. Poderiam vender por bom dinheiro esse património. Seria bem menos triste vê-los em qualquer outro lado do que fazê-los simplesmente desaparecer. Se outro cidadão escreve a perguntar se querem vender um carro torre oferecido por Braga à cidade de Coimbra, construído há cerca de setenta anos, informam que a quantia não é suficiente e de seguida encosta-se a um canto no terreno da guarda inglesa ao lado da escola secundária, para que se fine, bem escondido de olhares curiosos. Se alguém questiona a existência da denominação de Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra na placa exterior do edifício, informa solene e estupidamente que o museu existe porque os sobrescritos que chegam por via postal para a companhia de teatro ali instalada há tempo demais, são portadores da denominação de museu e são entregues na morada. Logo, o museu existe. Apesar de não existir.
Quer dizer. O homem é hipócrita e nós parecemos gostar porque aceitamos o que nos impinge. E o chefe dele também gosta porque aceita e fomenta as atitudes do fulano.
Eu sei que o melhor que tenho a fazer é deixar de falar em eléctricos, americanos, trolleys e outros ex-libris de que nos devíamos orgulhar, para que as minhas charlas não vos incomodem. Para quê dizer que tivemos veículos únicos nesta cidade e não os preservámos? E quando digo únicos, eles foram-no a nível mundial. Para quê dizer que temos troleys e somos a única cidade da península ibérica que os tem a circular e que só isso, bem difundido podia atrair muitos entusiastas ? Não. Melhor deixar de o fazer. Mas, não o fazendo estou a fazer o jogo do medíocre que elegemos e que depois colocaram num poleiro para que ele nunca mostrou crista merecedora de tal qualificação.
Os conhecimentos que tenho feito ao longo do País com entusiastas como eu, mas mais conhecedores de coisas e pormenores particulares da nossa cidade, tem-me feito evoluir pela aprendizagem de saberes que não tinha, e tem-me feito admirar primeiro pelo conhecimento que estranhos têm da nossa cidade e entristecer e envergonhar de seguida porque eles sabem até melhor do que eu, como são medíocres e estúpidos alguns dos que deviam zelar por algum do nosso património.
E essas são coisas que não matando, moem muito. Se moem …
Mas fica prometido, sosseguem que culturalmente (e eticamente) falando, não bato mais no ceguinho… Eticamente também haveria muito a dizer.
Vou ficar acomodadinho e calado.
A menos que, algum de vós, responda à letra ao escrito que aí fica.